
Em Killing Yourself to Live , livro de Chuck Klosterman sobre uma viagem de 6.557 milhas (10.491 quilômetros) visitando lugares onde a morte desempenhou um papel importante na música – onde músicos morreram ou cometeram suicídio, onde desastres fatais em shows aconteceram, onde Robert Johnson supostamente vendeu sua alma ao diabo – Chuck Klosterman discutiu o número de CDs que levaria consigo.
Levará três horas para decidir quais CDs colocar no banco de trás do meu Tauntaun. Esse é o tipo de dilema que impede pessoas como eu de dormir… Tenho 2.233 CDs. Agora mesmo, meus olhos estão examinando seus títulos em ordem alfabética e estou me perguntando quantos farão parte da minha viagem pelos Estados Unidos. Essa decisão ditará tudo. O espaço será limitado, então só posso selecionar os álbuns que serão inegavelmente essenciais.
Eu escolho trazer 600.
Bem, a situação de Chuck é algo totalmente fora da realidade de quem vive quase 20 anos depois do relato que fez em seu livro. Hoje podemos ouvir (quase) tudo que desejamos via streaming de forma ilimitada, desde que haja internet disponível. Caso não haja basta baixar com antecedência nossas playlists e depois ouvi-las off-line, porém o dilema de escolher as músicas que compoeram a playlist continua até os dias atuais.
Quanto mais viagens eu faço, mais pressão eu coloco em mim mesmo: as pessoas vão andar no seu carro por três, quatro, sete horas. Você é responsável pelas memórias delas. O que significa que você é responsável pela trilha sonora da viagem delas. Que tipo de memórias você quer que elas tenham?
Você pode esquecer as estacas da barraca, fluido do fogão, o mapa da área, sua reserva de campings e parques – todas essas coisas são substituíveis quando você chega onde quer que esteja indo. Mas a música não é. Ela é importante. Quer dizer, vamos lá, você quer ouvir algum podcast da até o deserto? (Sem ofensa se você quiser.)
Meditei longamente sobre a quantidade adequada de música, à la Klosterman, e cheguei a esta equação:
Duração da viagem em minutos (ida e volta) / 2 = Tempo da lista de reprodução
Dirigindo de São Paulo para Paraná? Preciso de uma playlist de no mínimo seis horas. Repetiremos algumas das mesmas músicas no caminho de volta, mas ouvir duas vezes a mesma faixa não é muito em uma semana, ou mesmo em um fim de semana prolongado de três dias. São 360 minutos de música, o que dá aproximadamente 100 músicas. Não é muito. Tudo o que preciso fazer é escolher minhas 100 músicas favoritas de todos os tempos, certo?

Na verdade, não é tão simples. Eu já me enganei sobre isso. Existe um certo tipo de música que combina com a estrada. Pergunte a qualquer um que tipo de música eles ouvem, e eles sem dúvida dirão “tudo” ou “tudo, menos sertanejo universitário”. Claro que eles querem dizer que estão abertos à maioria dos tipos de música, mas eles não ouvem música clássica com tanta frequência. Ou óperas. Todo mundo ouve “tudo”. Então, qual é a música adequada para uma viagem de carro?
Jazz, para mim, é música de cafeteira, ou para aeroportos, tentando permanecer o centro calmo do universo enquanto o mundo ferve ao meu redor na fila do balcão de embarque. O RAP é talvez a mais autêntica e orgânica música das Américas, mas seu ritmo é mais adequado para andar em calçadas com fones de ouvido ou numa corrida por cidades grandes do que para longos trechos de estrada.
Guitarras e outros instrumentos de corda são a espinha dorsal da música de viagem. Pense em dirigir em direção ao pôr do sol, ou do nascer do sol, rodovia sem fim, vento cortando, 110 km/h (ou 80 em estradas sinuosas). Letras contemplativas. Violões, guitarras, banjos. Contação de histórias. Letras sobre a vida, viajar, saber, não saber, ir, partir. “Homem na Estrada” dos Racionais MC’s, embora seja uma ótima música, não é exatamente a certa para isso. “Viva La Vida” ou “Clocks” do Coldplay são. “Pride” do U2. “Sowing The Seeds Of Love” do Tears For Fears. “Upside Down” de Jack Johnson. “Camila, Camila” de Nenhum de Nós, Legião Urbana, Capital Inicial, Titãs, Natiruts, até aqueles covers à la Emmerson Nogueira. Pessoas que sabem dedilhar e dedilhar e contar uma boa história e fazer você querer olhar pela janela e coçar o queixo enquanto o horizonte passa como pano de fundo.
Não existe nenhuma fórmula perfeita, nenhuma lista com regras rígidas. Mesmo quando você realmente entende, é só por alguns minutos: uma sensação quando você está dirigindo para algum lugar, talvez com um bom amigo, geralmente nas últimas horas de um dia, e os primeiros segundos da música perfeita tocam, e se você aumentar o volume o suficiente, você é capaz de criar um videoclipe em sua mente, e ele se torna uma memória. Se você acertar, toda vez que ouvir essa música pelo resto da sua vida você dirá a si mesmo: “Essa música sempre me lembra daquela tarde em que meu amigo e eu dirigimos até Brasília pela primeira vez”, ou “Essa música me leva de volta àquela semana no litoral com meus amigos”. E se você fizer direito, nem importa sobre o que a música é.